Tuesday, July 26, 2016

Paris

Ah, estivesse eu em Paris, namorando a vida,
enquanto uma voz doce me diz, calando-se logo de seguida,
"Deita-me e cobre-me, pois o mundo é gelido."
"Dá-me um novo nome", diz-me ela, com um sorriso pálido,
um sorriso completo de quem ainda não foi corrompido,
de quem agarra numa só mão fechada a pasta da vida,
aquela papa volátil que me escorre entre os dedos,
mas não a ela. Morrem todos os meus medos
quando a vejo leve, dançando no ar, no próprio ar
que é tão pesado que a deixa bailar
sobre ele. Aqui, nesta cidade electrizante,
onde os carros rodam num ruído incessante
e chamam por mim todos os monumentos
e lugares míticos, gritam por mim, sedentos
de me mostrar a sua beleza e a sua importância,
mas eu, no fundo, quero é distância
de Monmartre e dessa torre que se assemelha
a um poço de petróleo feio, e também da velha
que canta belas chansons na rua.
Não sei que ideia é a sua,
não quero ouvir a J'attendrai, La Bohème,
La Mer, La Vie en Rose e a minha mente treme
só de ouvir falar no museu do Louvre.
Tirem-me tudo isso da frente, arre!
Paris é para amar, não para amar Paris.
Paris é o último andar de um prédio, e quem diz
o último, diz o segundo, ou o primeiro,
ou o rés-do-chão, ou o prédio inteiro.
No que me concerne, se nunca subi mais alto,
este andar é o último, e tenho um sobressalto
quando acordo de manhã nos lençóis húmidos,
pois temo acordar depois destes dias todos
e perceber que Paris é um lugar na minha cabeça,
montar um odioso puzzle, peça por peça
e acordar estremunhado, sozinho,
com a sensação de que, como que tonto de vinho,
não se querem levantar os braços, ou até um dedo.
Não tenho forças. É este o meu segredo -
tenho uma cidade inteira dentro de mim
e, dentro desta cidade, escondendo um sorriso assim
meio maroto, estás lá tu.
Eu inclino a tua cabeça, suave, e dou-te um beijo cru,
mas é um beijo que me sabe amargo e a sal.
Afinal, como te posso ter em Paris, se nunca te tive em Portugal?

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