Sunday, August 30, 2020

I am lost
and you are too
oh whatever
shall we do?

Your whole body
is a sonnet
but who is
whose pet?

Your neck rhymes
with your pale chest
I made them both
my bird nest.

There’s no path
there’s no way
we won’t meet
another day.

I am lost
and you are two
half is me
and half is you.

Friday, June 26, 2020

O rio que desce

Nos teus lábios, um rio -
sumo de fruta doce -
corre apressado, com brio,
como se um cavalo fosse.

Dos teus lábios pinga sereno,
pelo peito suave e alvo,
não sei se mel ou se veneno,
será perigo ou estarei salvo?

O teu ventre é vale ventoso,
o rio desce em delta aberto,
evita as frinchas de cada osso
e vai direito ao sítio certo.

Com caudal já reduzido,
o curso de água rouco
desagua sem libido
no estuário do teu corpo.

A Varanda

Na varanda há
dois copos de café
e tu falas comigo
através de canções.

Tu és água e eu sou pedra,
escorres por mim lenta
e erodes a casca
que me cobre e aperta.

As folhas caem
mais lentas das árvores,
lentas como pétalas,
cinco centímetros por segundo.

As tuas palavras por dizer
pairam entre as grades
e soltam-se da varanda,
lavam-se na chuva.

O que te quero dizer?
Já te disse demais...
Perdoa-me as palavras,
dou-te agora o meu silêncio.

M.

You're raining down my spine,
my painful painkiller,
and while you do
I slowly and gently
collect every drop of your fragrance
as you drip,
as you look into my eyes,
as you tell me about that song you love.

Sunday, June 14, 2020

Kompensan

A azia dos dias contamina
o sabor de todas as iguarias.
O pão é fel e até o mel o é.
O que me acidificou o ventre
foram os teus beijos de boca fechada -
sim, não te surpreendas,
pois a acidez da tua língua
em nada se compara à dos teus lábios.

Criatura de mau-amar,
enquanto me fitar a tua vista,
daqui nada me levará,
nem que o vento insista,
nem que o fado venha
mais a sua aguçada gadanha.

Monday, May 25, 2020

SSRI

Porque és espelho e tão menina,
as tuas lágrimas renascem
em gotas de Vortioxetina
de que os meus lábios carecem.

E a Matemática que há entre nós
é só um vento, uma ilusão,
choque em cadeia de dominós,
o lado escuro de uma equação.

Porque roubar é pecado,
levo de ti o que te dei
e volto de mãos cheias.

De pensamento pacificado,
vou aprender a ser rei
do meu castelo sem ameias.

Saturday, May 23, 2020

Asas que não voam

Asas que não voam definham,
crescem para dentro,
espetam-se no ser.

Se as asas não voam,
ou o tecido é ruim,
ou estão rasgadas,
ou a ave é pesada.

E se a ave saltar
de uma torre
de comunicação?

Desfalcar-se-á o bando,
mas continuará ainda
com mais ou menos asa,
mais ou menos completo.

E quem a lá colocou
não terá o direito
a por ela chorar. 

Saturday, May 9, 2020

Cordão Umbilical

O tempo passará, quer eu queira, quer não;
o passado já foi, os futuros virão.
Na verdade, não todos; os futuros convergem,
intercalam-se, intersectam-se, são sugestões de viagem.

Entre não ter passado e não ter futuro,
mais vale largar mão do primeiro,
deitar abaixo o sólido muro
que me separa do meu Eu inteiro.

Não interpretem mal o que vos digo,
o passado, na verdade, não se apaga,
apenas fica do outro lado da estrada.

O passado é tal e qual um umbigo:
o de uns é visível, o de outros não,
e lembra as origens do nosso embrião.

Wednesday, March 4, 2020

Asma

Quero partilhar da tua doença.
Não, não quero que sejas
saudável como eu,
quero ser doente como tu.
Quero sofrer em cada fôlego,
viver a vida asmática
de quem cujos pulmões
já desistiram da vida.
Deixa-me sucumbir contigo
à frieza desta atmosfera
que nos gela bem lá dentro
e juntos vamos tossir,
cuspir sangue e desfalecer
sobre o breve sufoco
da vida.

Thursday, February 27, 2020

Tremores

O céu tremelicou uma vez
e eu, burro, idiota,
não quis saber.

Outro tremor se seguiu.
Desta vez foi a terra
e não houve nada,
nadinha nas notícias.

Depois as copas das árvores,
as estrelas e até a lua,
todos tremiam
uma pequena dança,
como uma barata
de patas para o ar.

Deixei que vibrasse,
permiti tais tremores
e percebi tarde demais
que quem tremia
era eu.

Saturday, February 15, 2020

Decidi nunca mais escrever
em toda a minha vida
e imediatamente decidi
consolidar a minha decisão
numa folha de papel.
Vomitei toda a minha honra
e não senti qualquer alívio.
Foi um vómito violento,
do género que deixa
os ácidos na boca.

Não a vou comer de novo,
como um gato  faminto.
Seguirei daqui para a frente,
ou sem honra, ou com uma nova,
eventual.
Dois focos de ternura,
inquietação -
um tremor no coração.
Lençois sem suor,
uma pulsação forte -
o amor e a sua morte.

Wednesday, January 15, 2020


Culpo o vermelho do meu sangue
pela fervura que aqui lateja

o vermelho por detrás das minhas pálpebras
é mais vermelho que o vermelho do Sol

as pálpebras do Sol fazem a noite
quando, cansado, pede silêncio

o silêncio não voa porque as asas
estão fechadas em forma de casulo

o casulo não é mais do que
milhares de fibras entrecruzadas

a fibra de que sou feito é tão forte
quanto a fibra de que gostaria ser feito.

Tuesday, January 14, 2020

Por mais próximo que se esteja
do abismo
não se lhe pode tocar.