Ninguém me avisou que tudo acaba.
São eles os culpados da minha dor,
os outros, os que se preocupam mais
com as suas vidas do que com a minha.
Nunca sonhei que num bater de asas
o mundo virasse do avesso,
que o fino tecido da realidade,
fabricado com tanta precisão pelas
mãos que aquecem as minhas
(mãos que me são uma luva)
pudesse ser rompido e profanado
por mãos de aranha, pés de ogre,
pela garra encurvada de abutres famintos.
Mas a culpa não é minha.
Eu vivi a minha vida como devia,
como me ensinam nos livros da escola,
nas igrejas e mesquitas e sinagogas,
vivi a olhar para o chão com uma paixão absoluta.
Com um solo tão belo, porquê olhar em frente?
Porquê olhar o céu que não pode ser pisado?
Avé chão. Pai chão.
Não posso ser culpado por vaguear
com as mãos a tapar os ouvidos
se nunca me informaram que todas as grandes obras
foram feitas por mãos sulcadas,
que cada página da história
cortou um dedo desprevenido,
que todos os monumentos deixaram a sua assinatura
calejada na mão de alguém.
Mas quando o mundo treme bruto,
por mais domada que seja a ovelha,
ela irá correr, balindo para longe,
até não se ouvir mais do que o eco
de uma sinera a tilintar.
Tlim. Tlim. Tlim.
E quando o mundo parou de tremer,
escutei, de ouvidos atentos,
com as mãos a agarrar uma barra de ferro
para não cair redondo.
E mirei o movimento da cidade
que formigava rua acima.
E todos olhavam em frente.
E todos olhavam o céu.
Uns de mãos nos bolsos,
uns de mãos ocupadas,
mas todos escutavam atentamente.
Eu nunca os tinha visto.
No chão, apenas via vermes
e sempre pensei ser um deles.
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