Friday, April 12, 2019

Esboço

Cabelo castanho, triste e observador,
a combinar com o olhar.

Um corte na sobrancelha esquerda
(do lado direito para quem olha de fora)
e um sinal na face do mesmo lado,
oculto por um tufo de barba cigana.

Nem alto nem baixo,
mais magro que gordo,
braços finos, tudo fino,
tudo o que se vê à mostra.

Expressão impávida
para contrastar
com todas as pávidas
que se vêem por aí fora.

Não porta sonhos,
não porta ambições,
não é porta para nada,
é apenas janela.

Pouco ou nada sente,
o pobre coitado
por mais que tente
está sempre desligado.

Tudo isto por fora; por dentro, nada.

Friday, April 5, 2019

Ode ao chão

Ninguém me avisou que tudo acaba.
São eles os culpados da minha dor,
os outros, os que se preocupam mais
com as suas vidas do que com a minha.
Nunca sonhei que num bater de asas
o mundo virasse do avesso,
que o fino tecido da realidade,
fabricado com tanta precisão pelas
mãos que aquecem as minhas
(mãos que me são uma luva)
pudesse ser rompido e profanado
por mãos de aranha, pés de ogre,
pela garra encurvada de abutres famintos.
Mas a culpa não é minha.
Eu vivi a minha vida como devia,
como me ensinam nos livros da escola,
nas igrejas e mesquitas e sinagogas,
vivi a olhar para o chão com uma paixão absoluta.
Com um solo tão belo, porquê olhar em frente?
Porquê olhar o céu que não pode ser pisado?
Avé chão. Pai chão.
Não posso ser culpado por vaguear
com as mãos a tapar os ouvidos
se nunca me informaram que todas as grandes obras
foram feitas por mãos sulcadas,
que cada página da história
cortou um dedo desprevenido,
que todos os monumentos deixaram a sua assinatura
calejada na mão de alguém.
Mas quando o mundo treme bruto,
por mais domada que seja a ovelha,
ela irá correr, balindo para longe,
até não se ouvir mais do que o eco
de uma sinera a tilintar.
Tlim. Tlim. Tlim.
E quando o mundo parou de tremer,
escutei, de ouvidos atentos,
com as mãos a agarrar uma barra de ferro
para não cair redondo.
E mirei o movimento da cidade
que formigava rua acima.
E todos olhavam em frente.
E todos olhavam o céu.
Uns de mãos nos bolsos,
uns de mãos ocupadas,
mas todos escutavam atentamente.
Eu nunca os tinha visto.
No chão, apenas via vermes
e sempre pensei ser um deles.

Nuclear

O mundo é barulhento.
Todos os ruídos se arrastam
como uma nuvem de fumo
pelos ares, Puff!
O mundo todo é feito de bips.
No céu, um avião
sobe e por baixo eu
entro no hotel
pelo lobby pejado de gente
e alguém nas escadas sobe e pede
um kebab e perguntam-lhe
a que sabe e provavelmente sabe bem,
desde que haja fome
no estômago tudo cabe e paremos por aqui.
Bip. Bip. Bip.
E eu sou um reactor nuclear
à espera para explodir.
E quando explodir,
eu expludo com um Boom,
um Kapow, um Bang maior
do que todas as coisas que já pisaram a terra.
Todos os rios da Europa correrão para a sua nascente
e lá no oriente soará um gongo,
Pum!
Todas as mascaras cairão ao chão
e todas as verdades do mundo
assobiarão pelas ruas,
Fzzzzzzzzzzzzzz.
Uma gargalhada de triunfo
irá encher o ar quente, apimentado,
Ahahahahah,
mas não estará cá ninguém para o ouvir.
E quando a última águia
cair morta no seu voo
e a Terra não for mais
do que uma orbe flamejante,
a atmosfera guardará apenas
um silêncio.
Um silêncio.
Um silêncio repetitivo.
E eu estendo-me na cama
e sonho…