Sunday, July 22, 2018

Antes que a estação se acabe

Embrulha em papel de escola
uma madeixa do teu cabelo
cor de chanson dos anos cinquenta
e entrega-a ao carteiro
antes que a estação se acabe.

Virá num desses camiões modernos
de uma empresa norte-americana,
consórcio pertencente a outra
do moderno império chinês,
mas será o teu cabelo ainda.

Antes que a estação se acabe,
vem-me visitar no caminho
de casa para o restaurante,
do restaurante para a labuta,
onde me apanhares a jeito.

Espia-me por dois furinhos
numa revista tamanho A5,
mas não deixes que eu te veja,
não me deixes sequer cheirar-te.

Não me entres pelas narinas,
pelos ouvidos nem pela boca,
fura-me como uma bala na cabeça,
mesmo sobre a têmpora esquerda...

De cada vez que dou por mim
a ansiar novas tuas
no correio
nos ecrãs
numa nuvem
ou escondidas numa factura da casa,
percebo o quão mais alta a tua voz é do que a minha.

O melhor mesmo será pôr um travão no tempo
e nunca deixar que a estação se acabe...

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