Saturday, July 28, 2018

A tua sensibilidade,
tu que queres viver no meio das árvores
e com as árvores,
sempre me empequenou.
Eu quero ser as árvores.
As árvores não sonham,
as árvores não julgam ninguém,
as árvores, não sei.

Wednesday, July 25, 2018

Recibo

Passas seis meses a poupar para um telemóvel.
E meio!
Gostas de estar contactável
em cada momento acordado,
sua samsunga do diabo.

Depois, mais três mesitos
e dá para um novo televisor,
porque a vida é tão boa
e tudo nela é teu por direito.

A roupa que trazes no corpo
meia russa do sol e do suor
que não renovas desde a penúltima vez
que trocaste de telemóvel
poderia esperar mais um pouco,
mas sabes que não te chega
nem nunca te chegará
porque todos os que te abraçam
param para ver a etiqueta.
Também não é por mais um mês
de horas-extra-extra-extra,
com três X, por favor...

Entretanto o motor do teu carro
começou a fazer um ruído
e, porque não é a primeira vez,
melhor será trabalhar mais um anito
para substituir a máquina toda.

E quando pensas que finalmente
podes começar a poupar
durante um ano e um rim,
menos coisa mais coisa,
para ter direito a um dia da tua vida,
sai um modelo novo de telemóvel
e assim por aí fora...
e assim por aí fora...

Tuesday, July 24, 2018

Sentido proibido

Foges da vida com toda a paixão,
com todo o fogo de quem por ela luta
quando a ponta do último dedo
escorrega ainda agarrado à escarpa.
Temes este duelo cruel de uma ronda,
uma partida à melhor de um, sem handicap,
sem direito a desistir, nem qualquer escape.
Preferes deixar-te morrer
a arriscar que a felicidade
não seja tudo o que foi cantado
neste tempo e nos outros
e não seja em si mesma
diploma de proficiência na vida.

Se te deixas apenas ir morrendo
de braços caidos ao longo do corpo
porque pensas que deixar-se viver
exige mais esforço e dedicação,
ainda não te deste ao trabalho
de humedecer um dedo na boca
e de o erguer alto na tua frente,
para perceber em que sentido
vêm os ventos que empurram
cada um e todos de nós
como bonecas de trapos remendadas.

Tens medo.
Aterroriza-te a ideia de ser
quando podes simplesmente estar.
Não te censuro, não te posso censurar,
porque nem te dignas a existir.

Sunday, July 22, 2018

Antes que a estação se acabe

Embrulha em papel de escola
uma madeixa do teu cabelo
cor de chanson dos anos cinquenta
e entrega-a ao carteiro
antes que a estação se acabe.

Virá num desses camiões modernos
de uma empresa norte-americana,
consórcio pertencente a outra
do moderno império chinês,
mas será o teu cabelo ainda.

Antes que a estação se acabe,
vem-me visitar no caminho
de casa para o restaurante,
do restaurante para a labuta,
onde me apanhares a jeito.

Espia-me por dois furinhos
numa revista tamanho A5,
mas não deixes que eu te veja,
não me deixes sequer cheirar-te.

Não me entres pelas narinas,
pelos ouvidos nem pela boca,
fura-me como uma bala na cabeça,
mesmo sobre a têmpora esquerda...

De cada vez que dou por mim
a ansiar novas tuas
no correio
nos ecrãs
numa nuvem
ou escondidas numa factura da casa,
percebo o quão mais alta a tua voz é do que a minha.

O melhor mesmo será pôr um travão no tempo
e nunca deixar que a estação se acabe...

Pintura a tinta de esferográfica

O contorno do teu corpo contra o céu errante, quando marcado no ar em volutas de tinta branca, não dura mais que um incenso, erra rápido como as nuvens no céu e como tu, em cada decisão que te leve para longe de mim. Deixa-me que te pinte em tinta-da-China, do império antigo que já errou para um passado então presente mas do qual nunca sairá, como o nosso romance intemporal, do tempo dos bobos e das rainhas folhadas. E como uma lâmina de relva balança ao balanço do vento, tu, daninha, danças uma bossa velha que me desperta o centro geodésico do corpo humano. Mais que tudo, admiro-te por me fazeres humano...

Sunday, July 15, 2018

Preciso de escrever para ser feliz
e preciso de ser feliz para escrever
talvez qualquer dia
comece uma delas,
um dia destes.

Thursday, July 12, 2018

Alegre canta um passaroco
no lado mais verde de um tronco oco.
O mundo é um lugar cruel,
e eu nele...