Achei-te, demónio em forma de menina,
no caos de um dia frio de Abril
em que voavas sob a multidão, subtil,
sufocada pela tua sina.
Da tua boca, uma pronúncia arrastada da terra do sobreiro,
camuflada numa voz menina atrás de uma cortina de fumo,
ajuda-me, suavemente, a escolher o meu rumo
e vê-me hipnotizado por horas - ou um dia inteiro.
Os teus cabelos, como rio de sangue turvo,
escorrem directos, de forma devassa,
e, sussurrada no ar, fica uma promessa
de voltarem a pairar em cor de corvo.
És um espelho partido que ainda reflecte,
um retrato meu pintado por alguém que nunca me viu,
de uma tez tão pálida como a neve que derrete
lenta e sem compromisso, num compasso frio.
E o teu corpo dança na roda da vida,
dança como eu nunca soube dançar;
uma dança sensual que me convida
a estender-te a mão e ser o teu par.
Contigo dança um vestido de duas cores.
É branco e negro e roda contigo, mas não
é ambos ao mesmo tempo!, são
dois polos incompatíveis - o dos prazeres e o das dores.
Envoltos num véu negro, fino e inseguro,
encontrei dois olhos em espiral confusa.
Olhos plenos, que a minha face recusa
contemplar, pois procuram o mesmo que eu procuro.
Olhemo-nos então, distantes, até eu perceber
que, quando te contemplo da cabeça aos pés,
desprezo tanto quem tu és
quanto admiro quem tu queres ser.
Tu és o interlúdio entre o Céu e o Inferno,
mas, minha cara,
eu não me ajoelho
perante anjos nem demónios.
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