Wednesday, May 30, 2018

Ainda os mesmos

Mostram-nos um caminho a talha dourada
que acaba, sem bote, frente a uma ilha.
Estendem-nos um Game Boy com meia pilha
e nele uma cassette que não contém nada.

E mais meia dúzia de palavras inspiradoras, desgastadas,
Já sem tinta, tiradas de um velho conto de fadas,
com o aroma inconfundível da naftalina
e que é só para o menino, ou só para a menina.

A lata deles não é a mesma lata onde vem toda a sacarose,
toda a falsa doçura, todo o gás que não absorvemos como nutrientes,
toda a cafeína que nos deixa exaltados, depressivos ou doentes,
conforme a percentagem, o sabor, a marca e a dose.

Não, a lata deles é outra, é vil...
É a de uma criança que constrói um castelo de areia
e culpa o irmão mais novo quando o mar o rodeia
e engole, torre a torre... Uma lata pueril.

Eles, lá na frente, no fim do rasto de lesma
que deixaram pelo chão fora, quando a idade era a mesma,
e nós, sem equilíbrio, arrastamo-nos pelo escorregadio chão...
É que já nem um lírio e um canivete nos dão!

Monday, May 14, 2018

Quietude espumosa sem trave de segurança -
cresces em forma de glosa como um silêncio que dança,
trazendo máscaras sem face que gritam sons mudos,
do teu ventre tudo nasce: todos os nadas e todos os tudos.
Fosse eu mais sossego e menos grito,
Com mais desapego ao corpo que habito,
Então mais máscaras dançariam.

O soterrado

Não sei mentir-te da mesma forma que minto a mim mesmo.
Os teus olhos ubíquos não me deixam,
embora dominando a arte da auto-mentira, em tempos.
Cada pequeno grão de pó da tua presença,
acumulado, deixou-me soterrado em loucura e risos fáceis.
O soterrado. O enterrado com a própria pá, que perdeu a chance de subir à superfície enquanto a terra era ainda fina e húmida.
Pára de não me olhar pelas costas.
Pára de não me incomodar a estranhas horas na noite
e de não criar expectativas com palavras
encriptadas que me deixariam potencialmente confuso.
Aquela doce confusão combustível...
Esse riso mata-me e esfola-me, é gás que corrói
tudo tudo tudo pára.
Tudo pára.
Dor de barriga de criança que não quer ir à escolinha mas que não deixa de se sentir em força.

Potro

Anda, anda, pequeno potro,
Cada dois passos, três ideias.
Um puxa-te pelas rédeas
E chicoteia-te, o outro.

Não te deixam andar a trote,
E se puxares demais de forte,
Cais de frente ou de lado,
Pobre cavalito esganado.

Um dia a ferrugem, com sorte,
Comerá as podres rédeas.
Corre, nesse dia, corre para Norte

Sê mais cavalo e menos potro,
Puxa convicto, anda, parte-as!
Com sorte ainda não estejas morto.
Passaste no muro onde eu estava sentado,
Olhaste-me de lado, depois de frente
E, de novo, de lado.
Seguiste com atenção o movimento da minha caneta
Que eu movi como um pêndulo.
Depois de breves minutos,
Voaste, com um grito, sobre os socalcos que levam ao rio
E sobre o rio...
Adeus, amiga alada,
Nunca mais te verei
E, mesmo que te veja,
Não te saberei distinguir das outras.
Descasco lentamente um ovo cozido. A casca rija de uma maciez granulada grita-me que não, suplica-me, e, quando vê que eu não desisto, arremessa-me insultos, porque eu sou fraco e não tenho a perícia nem a coragem para a rachar. Assustado, deixo cair o ovo no chão de granito.
Gosto dos teus defeitos.
São belas as rugas encarquilhadas dos cantos da tua boca
E as manchas escuras do teu pescoço, como doença nas folhas de uma videira.
Mais do que do que tens de bom,
Gosto da curvatura do teu nariz alongado,
E mais do que tudo do amor que não tens por mim.