Monday, November 26, 2018

Amor de escola

Amor de escola,
amor de verão.
Sejam férias eternas,
não deixo escapar
o aperto da tua mão.

Amor de escola,
amor eterno.
Os teus lábios doces
não parecem gretar
nem no mais frio inverno.

Amor de escola,
amor-perfeito.
Não descanso os olhos
senão quando encosto
a nuca ao teu peito

Amor de escola,
amor daninho.
Cresceste-me discreta,
fermentaste-me na alma
e agora és o meu vinho.

Sunday, November 25, 2018

Folhas cadentes

E finalmente, por esta manhã, talvez todas as folhas tenham regressado às suas árvores.
Talvez os ventos soprem amenos e a chuva já nem molhe
e a urze resplandeça nas encostas da loucura,
enraizando-a na esperança que um dia o sonho a tolhe.

E amanhã, por esta hora, ainda o solo seja um deserto
que perdeu a aridez e o ardor
e do qual cada grão de areia
seja uma ideia,
um rumor.

Wednesday, November 21, 2018

Herbanário

Dizem-me:
Não pises a relva!
E eu não piso.
Não por me importar
com os sentimentos
de quem a plantou,
nem sequer com os
de quem dela trata
e muito menos com
aquilo que pensam de mim.
Não piso a relva
porque me importo
com a relva.

Saturday, November 10, 2018

Pedra basilar

Perdi a peça
do canto do puzzle.

Costumo começar sempre
pelos quatro cantos,
depois as bordas todas,
até que estas se encontrem,
peça a peça...
peça a peça...
primeiro dois a dois,
depois os quatro, entre si.

Por vezes apercebo-me
que a distância que previ
entre cada um dos cantos
era absurda e comicamente
errada.
O puzzle só expande
quando começa a ser construído,
vai expandindo, dilatando,
até que as peças de encontrem
como membros apartados
de uma grande família.

Perdi o canto inferior esquerdo.
De todos os cantos, é logo o mais importante.
Diria até que é a peça mais importante,
pelo menos no início,
porque no fim,
a faltar uma peça,
não importa muito qual.

Perdi dias de sono
até me conformar,
e então,
com toda a coragem reunida,
com o coração cheio de garra,
construí o resto do puzzle,
peça a peça...
peça a peça...
até faltar apenas aquela.

Não sei se pendure um puzzle
com uma peça a menos
na parede da sala,
se pinte em papel o que ali falta,
se o tape com um candeeiro de pé alto
para ninguém se aperceber da falha,
ou se o defaça
e volte a arrumar na caixa.

É.
Talvez seja melhor arrumar.
Sinto-me triste...

Triste pelo tempo que perdi
a construir o puzzle,
que podia ter sido melhor aproveitado...

Triste pela pessoa que me ofereceu o puzzle,
que nunca o verá concluído quando me visitar
e pensará que não gostei da prenda
ou que não gosto de puzzles...

Triste pela minha gata a quem neguei colo,
que fechei noutro compartimento
com medo que me engolisse uma peça
ou a enfiasse por baixo de um dos móveis...

Triste pelos meus pais que fizeram um filho
tão desastrado
que é incapaz de guardar um puzzle com cuidado...

Triste pelo mundo, pela condição humana,
que leva gente como nós a morrer de fome
do outro lado do mundo
ou na rua que evitamos atravessar
todos os dias
e mulheres e negros a ser tratados
abaixo de homens e brancos
e destina poetas
a falhar na vida
e que leva meninos bons
a virar homens maus
e homens bons a fazer actos maus
e incompetentes como eu
a perder a peça mais importante
do seu puzzle...

Triste pelos filhos que irei ter um dia,
que irão viver num mundo
tão cruel,
tão austero,
que se sujeitarão eles próprios
a perder a peça do seu puzzle.

Peça a peça...
peça a peça...
até a pedia, se soubesse a quem.